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As Bases Morais Pré-Políticas do Estado Liberal: Secularismo e Religião
Introdução: O Dilema Moderno da Fundamentação Moral
A questão das bases morais que sustentam o Estado liberal moderno constitui um dos debates mais cruciais de nosso tempo. Em um mundo crescentemente secularizado, emerge com urgência a pergunta fundamental: sobre que alicerces morais pode edificar-se uma ordem política justa e duradoura?
Este interrogante torna-se ainda mais premente quando consideramos que o projeto da modernidade, em sua busca por autonomia racional, pretendeu emancipar-se de toda transcendência religiosa, almejando construir uma moralidade puramente secular e auto fundamentada. Contudo, as crises morais e políticas contemporâneas sugerem que tal empreendimento pode estar fadado ao fracasso.
O presente ensaio propõe-se a examinar criticamente esta problemática, tomando como fio condutor o célebre debate entre Jürgen Habermas e Joseph Ratzinger, posteriormente Papa Bento XVI, sobre os fundamentos da democracia liberal. Nossa tese central sustenta que a tradição católica oferece bases morais mais sólidas e consistentes para o Estado liberal do que as alternativas puramente seculares, demonstrando a insuficiência da razão autônoma para estabelecer os princípios éticos fundamentais da vida política.
O Encontro Histórico: Habermas e Ratzinger face à Dialética da Secularidade
Em janeiro de 2004, na Academia Católica da Baviera, ocorreu um dos diálogos intelectuais mais significativos do século XXI. De um lado, Jürgen Habermas, o grande teórico da modernidade secular e da ética discursiva; do outro, Joseph Ratzinger, então Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, defensor da racionalidade cristã e futuro Papa Bento XVI.
O encontro não foi casual. Ambos os pensadores reconheciam que a modernidade ocidental atravessava uma crise profunda em seus fundamentos normativos. Habermas, outrora defensor de uma razão pós-metafísica completamente emancipada da religião, começara a reconhecer que a secularização radical poderia estar minando as próprias bases morais da democracia liberal.
Ratzinger, por sua vez, não se opunha ao projeto democrático moderno, mas questionava sua sustentabilidade quando divorciado de fundamentos transcendentes. Para o futuro Papa, a democracia liberal necessita de pressupostos morais que ela mesma não pode produzir, uma observação que ecoava a célebre formulação do jurista alemão Ernst-Wolfgang Böckenförde sobre o "dilema do Estado liberal".
A Insuficiência da Razão Secular: Crítica aos Fundamentos Puramente Imanentes
O Problema da Auto fundamentação Moral
O projeto moderno de uma ética secular enfrenta um obstáculo aparentemente intransponível: o problema da auto fundamentação. Como pode a razão humana, limitada e contingente, estabelecer princípios morais universais e absolutos? Esta dificuldade manifesta-se de forma particularmente aguda quando examinamos os três pilares sobre os quais o liberalismo secular pretende edificar sua moralidade: a intuição normativa, o processo democrático e a legalidade formal.
Alasdair MacIntyre, em sua obra magistral "Depois da Virtude", demonstra como o projeto iluminista de uma moralidade racional e secular resultou em um relativismo moral disfarçado. Segundo MacIntyre, ao abandonar a teleologia aristotélica e a síntese tomista, a modernidade perdeu o horizonte de significado que conferia consistência aos juízos morais.
A "intuição normativa", tão cara aos teóricos liberais contemporâneos, revela-se problemática quando submetida ao escrutínio filosófico rigoroso. Sobre que base podemos afirmar que cer